quarta-feira, 12 de junho de 2013

Trecho



Olhei os navios; nada. Era como se eles não tivessem existido nunca, embora estivessem ali. Eu os olhava, sabia que os olhava, mas nada vinha à minha cabeça, nenhum tipo de atitude me tomava. Eram oito, e embora estivessem no horizonte, se aproximavam a uma velocidade assustadora. Não havia gaivotas, peixes ou qualquer tipo de animal. Em outros tempos, eu teria intuído um golfinho; agora, via a movimentação em linha reta daqueles animais de ferro, chaminés e cargas. Como se percebessem de chofre minha ataraxia, frearam imediatamente, pararam, e por três segundos que talvez tenham sido vinte, pareceram boiar, simplesmente. Não havia qualquer tipo de neblina ou impedimento, e o céu era claro, azul. Não havia qualquer tipo de controle: estavam ao léu, sob o sol, e era ali, aquele movimento aleatório das ondas, o seu habitat natural. E então, todo movimento cessou. Como se o mar se congelasse, ou se fizesse calmo por intervenção divina, os navios pareceram atracados, sem indício qualquer de âncora. Permaneceram nesse ínterim por cinco minutos, estes contados (não sei explicar por que, mas no momento exato em que os percebi parados, comecei a contar, chegando ao número trezentos).
Trezentos. E, mais uma vez num golpe brusco, teve início uma dança sobre as águas, que não só pareceu movimentá-las de modo caótico, mas criar uma espécie de sinal ou ritual para abertura de um portal. Enquanto trocavam de posição, eu os observava e, pela primeira vez, percebia que fazia um esforço para compreendê-los. Até então, tudo era para mim observação, e apenas isso; o uso da visão e mais nada. Conforme mudavam de direção e assumiam diferentes velocidades e potências, pensei que pudesse haver algo. Mas como um grupo de jogadores de futebol americano depois de se reunir para combinar a estratégia, cada um dos navios seguiu para um lado, uns mais próximos, outros mais distantes. Sete deles ganharam o mar (lembro-me de tê-los contado em voz alta), e um veio em direção à ilha atrás de mim. Minhas braçadas e pernadas automáticas deram lugar a uma série de movimentos coordenados que, sem pensar, eu fazia para me posicionar, como por instinto, num determinado lugar, sabendo que seria aquele onde as ondas produzidas pela aproximação do cargueiro que restara.
A onda me pega. Pega e leva diretamente para a ilha, como uma mão, pousando-me sobre a areia branca. Nesse momento ainda não penso: embora tenha dito palavras, tenha tido impressões, não penso. Minha mente está vazia como em um ato de meditação, e sei que meus movimentos, embora precisos como os de um relógio, não são calculados. Fui entregue.
O navio está atracado. Não sei quanto tempo se passou desde que cheguei à areia. Olho em frente: Entre as palmeiras um coco (o cenário me parece familiar), o sal deve ter me carcomido de algum modo, a luz do sol – um vento – os tremores, a trégua (Japão) tudo aqui é tão limpo – um cheiro; A casa de verão, minha mãe, um amigo, a ilha, o capitão sai de dentro do navio. Sei que, de lá, ele me olhava.
            Talvez com rancor.