No clima de copa, e em uma copa tão festiva por uma zebra
no grupo da morte, é fácil e gostoso se identificar com os pequenos. Grandes
equipes como a Espanha, a Inglaterra, a Itália e o Uruguai chegam a um torneio
desse com responsabilidades enormes, e acabam sendo surpreendidos por equipes
de menor porte. Uma das grandes vantagens dessas equipes é poder jogar à
vontade, uma vez que suas torcidas não as vaiarão nem as condenarão se
perderem. É a Itália, é a Espanha, lutamos muito... Incorporo, então, tal clima,
sabendo que minha opinião diante da de especialistas e professores da Unicamp é
um nada, um sopro.
Francisco Foot-Hardman e Alcir Pécora, professores do
Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, onde estudei e estudo (embora meu
contato com ambos não tenha ocorrido em salas de aula, apenas em corredores e
em parcas ocasiões), assinam um texto publicado no Estadão há algum tempo (link
aqui http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/171852-100-escola-publica.shtml ) no qual defendem a "ocupação de todas as vagas em universidades
públicas por quem as merece de direito e de fato: estudantes de escolas
públicas." O texto ressalta uma série de problemas importantes
concernentes à educação básica estatal: a desvalorização dos professores, o
aspecto restritivo e discriminatório do exame vestibular, os parcos investimentos,
a mudança radical de perfil que existe entre educação básica pública e educação
superior pública. Em seus diagnósticos, o texto é bastante acertado.
Gostaria, no entanto, de colocar em cheque a solução
apresentada. O encaminhamento do texto de Foot e Pécora me parece muito mais
soldado por meio de palavras de ordem que de argumentos em si. Hipocrisia,
demagogia e democracia (conceitos quase
sempre complicados, voláteis e reversíveis ao longo das malhas textuais) saltam
logo no início aos olhos do leitor. A solução apresentada para os problemas tão
bem diagnosticados pelos dos professores universitários, a ocupação das vagas
na universidade pública exclusivamente por alunos que cursaram o ensino básico
em escolas públicas, embora pareça extremamente precisa num primeiro olhar, é
vaga.
Em primeiro lugar, perguntemo-nos: há proporcionalidade? O
número de alunos que cursam o ensino básico em escolas públicas no Brasil é
equivalente ao número de vagas nas universidades públicas? É evidente que não. Apenas
na região de campinas o número de alunos no terceiro ano das escolas públicas supera
o número de vagas disponíveis em universidades públicas. E o daqueles egressos
do terceiro ano que, tendo cursado o colegial, não quiseram ou não puderam
passar diretamente ao ensino superior, mas que com a nova política
vislumbrariam uma chance? E os oriundos daquelas regiões onde a distância
mínima entre o centro de uma pequena cidade e uma universidade é maior que 200 km?
Como no velho "slogan" dos efeitos do neoliberalismo no Brasil na
década de 90, "não há vagas."
A proposição, então, precisaria encontrar uma forma de, no
cerne do sistema plural proposto, inserir um mecanismo discriminatório? O desempenho
escolar dos alunos nas escolas poderia ser uma maneira de decidir quais deles
teriam, no mínimo, preferência. Não há, no entanto, uma realidade escolar no
ensino público brasileiro que dê base para tanto. Se os professores, como bem
diagnosticaram Foot e Pécora, são mal pagos, se as escolas têm uma
infraestrutura parca, e se há tanta discrepância entre diferentes escolas, como
levar em conta as avaliações como algo que confere qualquer tipo de valor utilizável
como critério? Talvez, a solução fosse propor um tipo de avaliação que
buscasse, menos que o conteúdo, analisar algumas competências, e que se
estendesse nacionalmente, a alunos de todas as escolas públicas... E chamá-la,
quem sabe, de Exame Nacional do Ensino Médio. Pois é.
Há ainda um terceiro problema: como definir em quais
universidades estudariam cada estudante? Suponhamos que o curso de Estudos
Literários, da Unicamp, fosse desejado por 120 estudantes oriundos de escolas
públicas no Brasil inteiro no ano de 2015. Atualmente, o curso oferece 20
vagas. Quem teria preferência? Os moradores de Campinas? Os moradores de outras
regiões? A preferência, talvez, pudesse ser estabelecida a partir de critérios
socioeconômicos: aqueles que têm renda mais baixa teriam preferência. Mas e se
ainda dentro desse critério houver empate? E o custo de vida do local de
origem, será também levado em consideração? E no caso de falsificação dos
questionários socioeconômicos, seria possível uma investigação? Haveria
estrutura, funcionários, centros para isso?
A solução proposta pelos professores da Unicamp
não é tão simples e direta quanto parece. A razão disso me parece bastante
clara: políticas públicas de inclusão não são atos instantâneos, frutos de
momento, mas longos, combatidos e achincalhados processos de maturação. Quase
sempre, geram uma reação negativa calcada no ódio, e precisam se equilibrar na
corda bamba até que seus primeiros resultados comecem a aparecer na forma de
estatística - e quando os resultados aparecem, continuam a ser criticadas como
antes, se não mais. Sempre ameaçados pela reação dos que desejam se manter no
topo, os processos de inclusão social não podem correr o risco de ficar ao bel
prazer de um mero ato, de uma canetada. Precisam ser algo gradual, crescente e
definitivo, cujo resultado dê impulso a um ciclo. Palavras de ordem não são
inclusivas ou efetivamente democráticas; são, no geral, hipócritas e
demagógicas.