sábado, 8 de março de 2014

Pequeno episódio sobre um sultão

Sentado em sua cama mas em trajes reais, o sultão observa o movimento de uma borboleta azul. Atento aos seus movimentos, ele pensa em palavras para defini-lo: desenho, acrobacia, dança.
Seu grão-vizir, apavorado, o interrompe em seu ato de contemplação, abrindo a porta do quarto:
_Majestade, todos no palácio estão apavorados com a sua ausência.
O sultão não responde. Ainda não se acostumou às intromissões do velho vizir.
_Majestade, devo alertá-lo sobre a tradição que vosso avô e vosso pai cumpriram, e que deverá ser cumprida por vossa Majestade...
_... de que em todo aniversário o sultão deve comparecer diante de seu povo e celebrar uma festa, oferecendo ao povo uma demonstração de seu poder ou de sua sabedoria. Sim, obrigado. Agora, tenha a bondade de se retirar.
Já velho e cansado, o vizir se questionava sobre a real possibilidade de transformar aquele rapaz em um sultão à altura do pai. Parecia, nos últimos oito meses, ter apenas aprendido a veemência do comando.
Quebrada a concentração, ausente a admiração, a borboleta pareceu voar da mesma maneira, como alguém que se move simplesmente.
O vizir ordenou, a partir de sua experiência, que os preparativos da festa continuassem. Com vontade ou sem vontade, aquele moleque cumpriria a obrigação de sultão. Tudo precisava ser perfeito, e o vizir, com uma rispidez distante de seu habitual tratamento cortês dos súditos, comandava e fiscalizava cada tarefa singular.
Enquanto esbravejava com uma moça e um rapaz que tinham cometido erros grosseiros (ele, salgado demais um molho; ela, lascado uma taça por batê-la forte demais contra uma mesa), o vizir recebeu a ordem de ir ao encontro do sultão. Enfim, o moleque exigiria sua preparação especial para a festa! Enfim, as ordens chegariam, anunciando excentricidades no cardápio, nas cores e nas atrações! Enfim, o vizir conseguiria arrancar um momento de realeza do rapaz.
Chegando ao quarto, no entanto, encontrou o sultão contemplando um grilo com o mesmo afinco com que contemplava a borboleta.
_Meu caro vizir, sua dedicação é exemplar. Sua voz se faz ouvir enquanto você esbraveja com os súditos. A vibração de seus passos enérgicos invade meu quarto, e se faz sentir nos dosséis da minha cama. E embora eu não possa vê-lo com a porta fechada, sinto seu indicador apontando detalhes, falhar, correções.
_Muito obrigado, Majestade. O dia de hoje é um dia importante e especial, e vossa majestade precisa estar preparado e adequadamente ambientado.
_Vê, meu caro amigo e mestre e conselheiro, que é exatamente aí que você se engana? Hoje é um dia em que contemplar o grilo ou a borboleta deve consistir em contemplar o grilo ou a borboleta. Eu tentava, em vão, encontrar uma palavra que definisse aquilo que eu contemplava alguns minutos atrás. Pensei, por um momento, que aquele voo fosse uma espécie de presente de aniversário. E no entanto, não há aniversário. Hoje a borboleta voa como sempre voou, olhe-a eu ou não. Se em um único dia julgo que os saltos do grilo são maravilhosos, e que o voo da borboleta é maravilhoso, e que são dignos de meus olhos reais e de minha presença real, então todos os dias devo dar a eles meus olhos reais e minha presença real. Compreende, meu amigo?
_Compreendo, majestade. Devo, então, povoar nossa festa de grilhos e borboletas, e manter alguns no palácio para que vossa majestade possa vê-los em cada dia?
_Não, meu caro amigo. Deves olhar o grilo, que salta como um sultão, e a borboleta, que voa como um sultão, com olhos de sultão.
_Mas apenas vossa majestade tem olhos de sultão.
_Nem mesmo você está convencido de que eu tenha olhos e mãos de sultão, meu bom amigo. Ou uma voz de sultão, ou pensamentos de sultão. Você, o palácio, os olhares em volta, são quem opta por fazer-me sultão todos os dias. E você, eu, os olhares em volta, somos quem opta por fazer súditos dos súditos todos os dias.
E o vizir, então, compreendeu o que era terrível, e que aquele homem jamais seria, de fato, um sultão como seus ancestrais.