sábado, 21 de junho de 2014

A universidade pública e a escola pública


No clima de copa, e em uma copa tão festiva por uma zebra no grupo da morte, é fácil e gostoso se identificar com os pequenos. Grandes equipes como a Espanha, a Inglaterra, a Itália e o Uruguai chegam a um torneio desse com responsabilidades enormes, e acabam sendo surpreendidos por equipes de menor porte. Uma das grandes vantagens dessas equipes é poder jogar à vontade, uma vez que suas torcidas não as vaiarão nem as condenarão se perderem. É a Itália, é a Espanha, lutamos muito... Incorporo, então, tal clima, sabendo que minha opinião diante da de especialistas e professores da Unicamp é um nada, um sopro.
Francisco Foot-Hardman e Alcir Pécora, professores do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, onde estudei e estudo (embora meu contato com ambos não tenha ocorrido em salas de aula, apenas em corredores e em parcas ocasiões), assinam um texto publicado no Estadão há algum tempo (link aqui http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/171852-100-escola-publica.shtml ) no qual defendem a "ocupação de todas as vagas em universidades públicas por quem as merece de direito e de fato: estudantes de escolas públicas." O texto ressalta uma série de problemas importantes concernentes à educação básica estatal: a desvalorização dos professores, o aspecto restritivo e discriminatório do exame vestibular, os parcos investimentos, a mudança radical de perfil que existe entre educação básica pública e educação superior pública. Em seus diagnósticos, o texto é bastante acertado.
Gostaria, no entanto, de colocar em cheque a solução apresentada. O encaminhamento do texto de Foot e Pécora me parece muito mais soldado por meio de palavras de ordem que de argumentos em si. Hipocrisia, demagogia e democracia  (conceitos quase sempre complicados, voláteis e reversíveis ao longo das malhas textuais) saltam logo no início aos olhos do leitor. A solução apresentada para os problemas tão bem diagnosticados pelos dos professores universitários, a ocupação das vagas na universidade pública exclusivamente por alunos que cursaram o ensino básico em escolas públicas, embora pareça extremamente precisa num primeiro olhar, é vaga.
Em primeiro lugar, perguntemo-nos: há proporcionalidade? O número de alunos que cursam o ensino básico em escolas públicas no Brasil é equivalente ao número de vagas nas universidades públicas? É evidente que não. Apenas na região de campinas o número de alunos no terceiro ano das escolas públicas supera o número de vagas disponíveis em universidades públicas. E o daqueles egressos do terceiro ano que, tendo cursado o colegial, não quiseram ou não puderam passar diretamente ao ensino superior, mas que com a nova política vislumbrariam uma chance? E os oriundos daquelas regiões onde a distância mínima entre o centro de uma pequena cidade e uma universidade é maior que 200 km? Como no velho "slogan" dos efeitos do neoliberalismo no Brasil na década de 90, "não há vagas."
A proposição, então, precisaria encontrar uma forma de, no cerne do sistema plural proposto, inserir um mecanismo discriminatório? O desempenho escolar dos alunos nas escolas poderia ser uma maneira de decidir quais deles teriam, no mínimo, preferência. Não há, no entanto, uma realidade escolar no ensino público brasileiro que dê base para tanto. Se os professores, como bem diagnosticaram Foot e Pécora, são mal pagos, se as escolas têm uma infraestrutura parca, e se há tanta discrepância entre diferentes escolas, como levar em conta as avaliações como algo que confere qualquer tipo de valor utilizável como critério? Talvez, a solução fosse propor um tipo de avaliação que buscasse, menos que o conteúdo, analisar algumas competências, e que se estendesse nacionalmente, a alunos de todas as escolas públicas... E chamá-la, quem sabe, de Exame Nacional do Ensino Médio. Pois é.
Há ainda um terceiro problema: como definir em quais universidades estudariam cada estudante? Suponhamos que o curso de Estudos Literários, da Unicamp, fosse desejado por 120 estudantes oriundos de escolas públicas no Brasil inteiro no ano de 2015. Atualmente, o curso oferece 20 vagas. Quem teria preferência? Os moradores de Campinas? Os moradores de outras regiões? A preferência, talvez, pudesse ser estabelecida a partir de critérios socioeconômicos: aqueles que têm renda mais baixa teriam preferência. Mas e se ainda dentro desse critério houver empate? E o custo de vida do local de origem, será também levado em consideração? E no caso de falsificação dos questionários socioeconômicos, seria possível uma investigação? Haveria estrutura, funcionários, centros para isso?

A solução proposta pelos professores da Unicamp não é tão simples e direta quanto parece. A razão disso me parece bastante clara: políticas públicas de inclusão não são atos instantâneos, frutos de momento, mas longos, combatidos e achincalhados processos de maturação. Quase sempre, geram uma reação negativa calcada no ódio, e precisam se equilibrar na corda bamba até que seus primeiros resultados comecem a aparecer na forma de estatística - e quando os resultados aparecem, continuam a ser criticadas como antes, se não mais. Sempre ameaçados pela reação dos que desejam se manter no topo, os processos de inclusão social não podem correr o risco de ficar ao bel prazer de um mero ato, de uma canetada. Precisam ser algo gradual, crescente e definitivo, cujo resultado dê impulso a um ciclo. Palavras de ordem não são inclusivas ou efetivamente democráticas; são, no geral, hipócritas e demagógicas.

2 comentários:

  1. Cazé, pareceu-me que os professores dão como solução mais investimento "mais que 10% do PIB; mais que 9,57% do ICMS que Alckmin-Calabi respingam como dádiva" e "defender e aprofundar a plena autonomia financeira da universidade", o q implicaria mais vagas, mais cursos tb. Mas, mais fundamental pra mim, "avaliação contínua" no lugar do bendito vestibular - ô bem q isso faria pro Ensino Médio

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