(minha parte no tríptico escrito em conjunto com o Guilherme de Faria Rodrigues e o Gabriel Medeiros.)
Ela entra na casa e bate
a porta. A chave, tocada por seus dedos, rapidamente gira duas vezes em torno
de seu próprio eixo. Suas costas se apóiam. Na madeira que a protege.
Um turbilhão de coisas
passa por sua cabeça: como você chegou aqui – eu prefiro ele – somos
uma irmandade, quase – o preço do tomate é um absurdo – o que é que você bebe –
eu não costumo cozinhar para os outros – por que você acha Milton Nascimento melhor que Chico? – quanto
você sabe – o que é que você disse sobre o caso Dreyfus – quantos aqui neste
prédio ouvem – bonsais – não quero me despedir de você – quando ele vem – tchau
– o que você está fazendo aqui – eu prefiro ele
– as suas unhas – as costas dele – quanto disso tudo; Ela fixa seu olhar no
meio do copo, e a água, caindo do filtro, começa a preenchê-lo. Gira,
imediatamente, o botão quando a água atinge o ponto no qual ela se refugiou.
Toma, de um gole só, e repete a operação.
Repete a operação mais
uma vez.
Começa a ouvir os passos
dele, o irmão, cada vez mais altos. As pernas curtas dificultaram a subida pela
escada. Ainda assim, conseguiu vencê-lo.
Ela sabe o que vai se
seguir. Ele, o irmão, vai gritar e pedir que ela abra; vai chorar e pedir que
ela explique. Mas não há nada a explicar.
Ela se dirige ao seu
quarto, quando recebe uma mensagem em seu celular. A mensagem é do canalha, só
pode estar atrasada, e diz: “Eu prefiro ele”. Alguns minutos atrás, o canalha
gritava embaixo dela, depois em cima dela. Quase sem ar. Agora, “prefere ele”.
Filho de uma
A foto (antiga) dos pais,
ao lado do disco do Clube da Esquina onde escreveram “filhinha, não deixe que
seu irmão ignore isso. Beijo, mamãe e papai”.
Papai e mamãe. Ela olha
para os ventres dos dois, expostos.
A porta é socada. O irmão
vai tentar entrar. Ela pega uma foto dos dois, ela com o irmão no colo. 15 anos
de diferença. “Meu irmão poderia ter uma foto assim com esse filho de uma”,
pensa. Suas costas ainda doem um pouco com os arranhões. Doem as costas do
irmão também?
O som da porta arrombada
a direciona. Rapidamente, a mão esquerda impulsiona metade da gaveta para a
frente; a mão direita conduz o salto do canivete, que, com um estalido surdo,
aterrissa na escrivaninha nova.
Ela abre o canivete. Fixa
nele o seu olhar, como, segundos atrás, o fizera.
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