quinta-feira, 2 de maio de 2013

Dudinca mata Dadinho



(minha parte no tríptico escrito em conjunto com o Guilherme de Faria Rodrigues e o Gabriel Medeiros.)

Ela entra na casa e bate a porta. A chave, tocada por seus dedos, rapidamente gira duas vezes em torno de seu próprio eixo. Suas costas se apóiam. Na madeira que a protege.

Um turbilhão de coisas passa por sua cabeça: como você chegou aqui – eu prefiro ele – somos uma irmandade, quase – o preço do tomate é um absurdo – o que é que você bebe – eu não costumo cozinhar para os outros – por que você acha  Milton Nascimento melhor que Chico? – quanto você sabe – o que é que você disse sobre o caso Dreyfus – quantos aqui neste prédio ouvem – bonsais – não quero me despedir de você – quando ele vem – tchau – o que você está fazendo aqui – eu prefiro ele – as suas unhas – as costas dele – quanto disso tudo; Ela fixa seu olhar no meio do copo, e a água, caindo do filtro, começa a preenchê-lo. Gira, imediatamente, o botão quando a água atinge o ponto no qual ela se refugiou. Toma, de um gole só, e repete a operação.

Repete a operação mais uma vez.

Começa a ouvir os passos dele, o irmão, cada vez mais altos. As pernas curtas dificultaram a subida pela escada. Ainda assim, conseguiu vencê-lo.

Ela sabe o que vai se seguir. Ele, o irmão, vai gritar e pedir que ela abra; vai chorar e pedir que ela explique. Mas não há nada a explicar.

Ela se dirige ao seu quarto, quando recebe uma mensagem em seu celular. A mensagem é do canalha, só pode estar atrasada, e diz: “Eu prefiro ele”. Alguns minutos atrás, o canalha gritava embaixo dela, depois em cima dela. Quase sem ar. Agora, “prefere ele”. Filho de uma

A foto (antiga) dos pais, ao lado do disco do Clube da Esquina onde escreveram “filhinha, não deixe que seu irmão ignore isso. Beijo, mamãe e papai”.

Papai e mamãe. Ela olha para os ventres dos dois, expostos.

A porta é socada. O irmão vai tentar entrar. Ela pega uma foto dos dois, ela com o irmão no colo. 15 anos de diferença. “Meu irmão poderia ter uma foto assim com esse filho de uma”, pensa. Suas costas ainda doem um pouco com os arranhões. Doem as costas do irmão também?

O som da porta arrombada a direciona. Rapidamente, a mão esquerda impulsiona metade da gaveta para a frente; a mão direita conduz o salto do canivete, que, com um estalido surdo, aterrissa na escrivaninha nova.

Ela abre o canivete. Fixa nele o seu olhar, como, segundos atrás, o fizera.

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